segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Valores

Já faz alguns dias que venho escrevendo esse post. Um pouco por dia, pensando, lembrando, revivendo algumas coisas. Essa semana minha mãe se estivesse viva, faria aniversário. E não tem como não lembrar dela, das coisas que ela me dizia.

Claro que nós como pessoas sempre nos julgamos capazes e soberanos, principalmente se for para tomar uma decisão que nos afete. A gente sempre sabe o que é melhor pra gente, e como somos autosuficientes, pensamos que saberemos orientar nossos filhos, ou nossos dependentes, sejam eles irmãos, sobrinhos, etc...

Tenho pensado muito nisso porque as vezes penso que não tenho como perpetuar os ensinamentos da minha mãe. Claro que não estou falando sobre computadores, tecnologia ou coisas que a tenham deixado obsoleta, mas em valores, em objetivos, em ideais. Tivemos algumas dificuldades na vida. Meu pai ficou doente quando eu tinha 7 anos, minha mãe teve que segurar a barra do jeito que dava e tivemos muitas dificuldades. Claro que como crianças, sempre tinhamos nossos sonhos e em sonhos o futuro sempre é bonito, rico e fácil. Mas minha mãe sempre me acordava dizendo que não era bem assim. Que eu precisava estudar, me dedicar, estudar idiomas, me formar em uma profissão de destaque, aquelas coisas de orgulho de mãe. Sempre me dava exemplos, do fulaninho que o pai era rico e que hoje dependia de algum trabalho duro para sobreviver, ou de outro que tivera tudo na vida e que naquele momento tinha que trabalhar em algo não tão valorizado ou com um salário pequeno, infinitamente menor ao de uma mesada que tinha no passado. Não tinha um dia que passasse o caminhão de lixo que ela não lembrasse, olha aí, quem mandou não estudar... Sempre que íamos ao super, mostrava os empacotadores, o cara que vendia revistas, o cobrador de ônibus, o barbeiro, o sapateiro, não no sentido de menosprezar as profissões, mas sim de mostrar a importância de se optar por um caminho mais asfaltado, com menos curvas e subidas ou descidas. Ser um doutor ou um profissional de gravata como ela dizia era mais orgulhoso do que ser o fruteiro, o sapateiro ou o lixeiro.

Mas isso tudo era objetivo/meta, visto que nos era facultado o direito de não estudar, e com certeza cairíamos nessa vala, visto que com um segundo grau era possível conseguir alguma coisa ainda mais ou menos. Bom, podem estar se perguntando onde eu quero chegar. Como disse, nos achamos capazes de opinar e decidir o que é melhor para nossos dependentes, assim como achamos que nossos pais sempre estiveram errados, principalmente quando ouvíamos aquele não. Mas lembro que quando eu era pequeno, (minha primeira série primária foi em 1976) não existia bolsa família. Não existia seguro desemprego, MST, vale gás, tarifa social, lei anti-algema, hábeas corpus preventivo, aliás, nem presidente tinha. Era General. Da mesma forma, a criminalidade era menor, a polícia era temida, droga era coisa que se usava embaixo da cama com as portas e janelas fechadas.

Lembro como era difícil, pois se vc perdia o emprego (seu pai/mãe), não tinha seguro desemprego, ficava sem assistência médica, consequentemente o filho podia ficar sem escola, e assim sucessivamente.

Mas hoje, que valor posso passar para meu filho? Vale a pena estudar em escola boa, particular, puxada (como minha mãe dizia), se daqui para frente quem vai estudar na UFRGS vai ser o cotista, o aprovado no enem oriundo de escola pública? Vale a pena ter uma profissão de destaque e ficar meses procurando emprego, ou ser garçon, cabelereiro, camelô, motorista e arrumar emprego sempre que precisar? Sem falar de eletricista, pintor, pedreiro e outros que por uma visita cobram quase 100 reais, mais o serviço. E quando ficar desempregado, se vc trabalhou meia dúzia de meses já tem direito ao seguro! Vai ganhar bolsa família, tem INSS mesmo que não contribua, e o pior, se vc ainda roubar para comer, vai ter quem te apóie achando que o governo deveria te sustentar. Hoje em dia vc pode xingar sua professora, até bater eu já soube. Nas paradas de ônibus se enxerga pessoas fumando maconha, vendendo drogas ao ar livre, ser grafiteiro é ser artista e fazer parte de gangues é certeza de ser homem ou de ter sucesso com as meninas.

Uma das principais razões que me levou a escrever esse post, foi a conversa entre dois cabelereiros enquanto eu tinha o meu cabelo cortado. "Cara, ganhar 300, 500 por semana não tá dando mais! Pô, meu primo ficou desempregado e pegou um bico no salão do leopoldina, bem chinelo e tirava 200 por semana. Eu aqui nesse famoso tirando 300, 400 e me matando. Vamos abrir um salão pra nós! É só trabalhar direitinho, tu vê, eu todo dia tenho cliente particular que eu atendo quando saio daqui no leopoldina, que não quer ir no barbeiro, quer corte diferente, produto mais elaborado". E eu ali, ouvindo e pensando, não precisa saber ler, escrever, 500 por semana, 2 mil por mês. Não paga imposto de renda, se bobear ainda ganha bolsa família. E o tonto aqui fazendo faculdade, pós graduação, pagando imposto, unimed, escola particular, curso de inglês pro filho, segurança/seguro pra casa, pro carro, e tá cheio de doutor ganhando 3 mil por mês. A faxineira ganha 50/70 por dia, e não quer saber de assinar carteira, pra não perder as bolsas...

Bom, não vou prolongar mais, já deu pra dar uma idéia, e afinal, comecei lembrando da minha mãe, e as lembranças eram boas. Afinal de contas, acho que trilhei o caminho que ela ensinou, uma pena que ela não tenha tido tempo de ver o sucesso das minhas escolhas, conhecer meu filho e minhas gravatas. Valeu mãe. Feliz aniversário. Saudade.



Um comentário:

Mulher de 40 disse...

Muito legal, eu q sempre fui contra o bolsa-família adorei a comparação, uma vez que no meu tempo de criança tb não tinha nada disso...
Vou colocar o link no meu blog!
BJS

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